“Saberia aquelas cidades de esplêndidos nomes, que de algumas já roubaram: Maria da Fé, Sêrro Frio, Brejo das Almas, Dores do Indaiá, Três Corações do Rio Verde, São João del Rei, Mar de Espanha, Tremendal, Coromandel, Grão Mogol, Juiz de Fora, Borda da Mata, Abre Campo, Passa Tempo, Buriti da Estrada, Tiros, Pequi, Pomba, Formiga, São Manuel do Mutum, Caracol, Varginha, Sete Lagoas, Soledade, Pouso Alegre, Dores da Boa Esperança… Saberei que é muito Brasil, em ponto de dentro, Brasil conteúdo, a raiz do assunto.”
João Guimarães Rosa
A obra que nos chega em mãos é fruto de valioso esforço de pesquisa, análise, seleção e organização de informações que permeiam, de modo profundo e cuidadoso, a história de Minas Gerais, nomes e lugares através do tempo. Trata-se, portanto, de uma obra que navega na dimensão espaço-temporal, onde a representação cartográfica nos revela tesouros, alguns escondidos e outros expostos, na história e na paisagem. Um trabalho transdisciplinar que reúne especialmente geografia, cartografia, linguística e história, de resultado inspirador, porque na sucessão de mapas ao longo dos séculos XVIII e XIX percebe-se o quanto recortes temporais de estruturas territoriais como capitanias, comarcas e lugares, evoluem num constante devir. Inspirador porque instiga a prosseguir e retroceder no tempo, rastreando espaços em mudança, história em curso e novos trabalhos por fazer.
Um convite à viagem, na certeza de que não cairemos nas “armadilhas do mapa”, como alertava Doreen Massey, ou seja, o mapa como simples “superfície” em “completa horizontalidade” trazendo meias-verdades geométricas. O mapa aqui é técnica e é poética, ajustadas aos modos de se produzir informação do espaço tal como percebido e vivenciado. E aqui transcende-se da toponímia à topofilia, dos nomes dos lugares à rede de lugares, em diferentes modos do vivido, organizados em cidades, vilas, arraiais, comarcas, municípios e conectados por caminhos que serpenteiam seguindo ou cruzando rios e vales, seguindo o fluxo das pessoas, seus animais e mercadorias, através dos tempos. São esses fluxos que se fixam no solo articulam e dinamizam os fixos – construídos, lavrados, cultivados, que fluem dando sentido ao espaço e ao tempo.
A constelação de nomes que a pesquisa nos traz, mais do que signos cartográficos ou registros toponímicos, constituem identidades geográficas. Esse conteúdo espacial que, longe das técnicas que hoje viabilizam vetores em formatos digitais geometricamente “mais precisos”, dará “forma” às comarcas como o resultado de um conjunto de lugares e nomes. Ou seja, o conteúdo é mais “preciso” que uma poligonal delimitadora. O conteúdo é o que importa: nomes de lugares e lugares sem nomes, desenhos de serras, campos, terras e águas. Num mapa, o espaço entre dois nomes nunca está vazio.
Apreciemos, imaginando.
Romay Conde Garcia
Arquiteto e Urbanista, Dr Geografia
Professor do Programa de Pós-Graduação em População, Território e Estatísticas Públicas
Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE